Romenos mobilizam-se<br>contra a austeridade
A privatização da Saúde proposta pelo governo levou milhares de romenos às ruas do país. Os protestos continuaram mesmo depois do presidente Basescu ter recuado, com o povo a contestar não apenas aquela reforma mas a política antipopular imposta desde 2009.
Roubo nos rendimentos e aumento do IVA antecederam o ataque à Saúde
Os protestos iniciaram-se quinta-feira, 12, na sequência da demissão do vice-ministro da Saúde, o independente Raed Arafat. Reputado entre o povo por ter implementado no país o Serviço Móvel de Urgência e Reanimação, o médico de origem palestiniana abandonou o governo em confronto com a nova Lei da Saúde, promovida pelo executivo romeno com o apoio do presidente Traian Basescu.
Com a referida reforma do sector, «a missão de salvar vidas será substituída pela competição comercial», denunciou Arafat, citado pela EFE.
O agora ex-número dois da tutela da Saúde referia-se à entrada dos privados no serviço de emergência, mas segundo a mesma fonte todos os actos médicos, urgentes ou não, passariam a ser pagos, e os hospitais públicos passariam a competir com os de gestão privada e com as unidades estatais concessionadas a grupos económicos.
Nas zonas rurais do país, as carências infra-estruturais são evidentes. A acrescer a isso, os baixos salários auferidos pelos profissionais de Saúde constituem pasto fértil para a corrupção, nota igualmente a agência noticiosa espanhola.
Quando estalou a polémica, Basescu acusou publicamente Arafat de ser «esquerdista» e convidou-o a demitir-se do executivo. Sem rebuços, o presidente qualificou ainda o actual sistema de Saúde de «sorvedouro do Orçamento do Estado».
O povo romeno acolheu os acontecimentos com indignação e desde o final da semana passada invadiu as ruas das principais cidades. Timissoara, Cluj, Lasi, Craiova, Sibiu, Târgu Mureş ou Constança foram cenário de protestos envolvendo multidões contra a reforma da Saúde, reportam agências noticiosas e canais de televisão europeus (Euronews) e norte-americanos (CNN).
Gota de água
Na sexta-feira, 13, Traian Basescu ainda tentou travar a onda de protestos. Em comunicação ao país difundida pelas televisões, o presidente pediu ao governo que retirasse o projecto de lei, que até ao próximo dia 28 estaria em discussão pública.
Com esta iniciativa, Basescu procurou escapar ileso à contestação, mas esta já assumia contornos generalizados e não somente focados nas alterações ao sistema sanitário, mas de exigência de demissão de todo o elenco governamental.
Sábado, no centro de Bucareste, realizou-se a maior acção de massas dos últimos quatro dias. Alguns manifestantes gritavam «governo mafioso leva tudo o que temos» e «não temos dinheiro para sobreviver», reportou a Associated Press.
«Mentiram-nos e roubaram-nos», acrescentaram outros, de acordo com a Reuters, referindo-se às promessas eleitorais de Basescu e dos seus apoiantes, os quais, nas últimas presidenciais, prometiam equidade na distribuição dos sacrifícios que, argumantavam, permitiriam salvar a Roménia da bancarrota.
Também no sábado, na capital romena, as autoridades ordenaram à polícia para intervir, fazendo degenerar em violência uma iniciativa que começou pacífica.
Pelo menos 13 pessoas terão ficado feridas e cerca de 30 acabaram detidas. O cenário de batalha campal voltou a repetir-se domingo, embora com menor intensidade.
A privatização da Saúde foi apenas a gota de água que fez transbordar a paciência dos romenos. Desde 2009, governo e presidente têm implementado um conjunto de medidas ditas de austeridade, de entre as quais se destacam o congelamento das reformas e prestações sociais, o corte em 25 por cento no salário dos funcionários públicos e o aumento em cinco pontos percentuais no IVA.
As medidas fazem parte do memorando de entendimento subscrito entre o governo e o FMI, Banco Mundial e UE a troco de um empréstimo de 20 mil milhões de dólares à Roménia.